sexta-feira, 14 de outubro de 2011

substantivo abstrato

















é quase primavera
e dela não há nada aqui
sangra desse outono
ainda seco que dilacera
que encerra um ciclo
de sofrimento e quer inexistir

feito palavras vazias
e retórica falha
a terra insiste no despeito
que brota inerte, folha velha
que pelo vento se deixa levar

e o cheiro da podridão toma as narinas
não é exemplar animal ou vegetal
não é jangada, nem flor de macieira
nem tão pouco sol alto
ou derrame de lobeira

mal se sabe se é.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

tão perdida a batalha do vivo

contra a dureza da vida
tão frágil planta
diante dos que acompanham
as águas fortes e correntes

que levam quase tudo
pedaços do corpo
levante da carne
o motim dos companheiros
e mal deixam a dignidade

um revolucionário
sobre a pedra dura
ignora a correnteza
o musgo verde brota
na esperança de sobrevier

talvez crescendo
talvez morrendo
e era só mais uma queda
diante de lutas perdidas
já não quer mais

dali de cima da pedra
ou do fundo do rio
aprecia a beleza
das floridas trepadeiras
ignorantes parasitas

ah, lançam suas flores
no vazio do vento
e desperdiçam energia
que não é delas
e sim das árvores velhas

pobre musgo feio
ramoso, de tão nojento
quase leproso
não traz força no belo
e sim a persistência do real.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

a flor do ópio

os pés-de-boi
ou patas-de-vaca
que importa?
têm flores desenhadas
belas e cheirosas

mas em encostas abissais
a flor do ópio
que induz ao pulo
ao infinito de sensações
ergue-se em resistência
quase frágil
sob os olhos do leste
sob a ânsia e a cólera
só existe pelo fato
doutro querer-lhe
a essência vertiginosa

que importa?

a flor do ópio
impera soberana
a visagem humana

a flor do ópio

os pés-de-boi
ou patas-de-vaca
que importa?
têm flores desenhadas
belas e cheirosas

mas em encostas abissais
a flor do ópio
que induz ao pulo
ao infinito de sensações
ergue-se em resistência
quase frágil
sob os olhos do leste
sob a ânsia e a cólera
só existe pelo fato
doutro querer-lhe
a essência vertiginosa

que importa?

a flor do ópio
impera soberana
a visagem humana

Flores-de-maio

Flores-de-maio
as flores,
amores,
verdades,
as dores.

Flores-de-maio
as dores,
flores,
saudades,
amores.

sobre as flores

das papoulas oníricas
líricas como transe
empapuço-me
e torpe, talvez imbecilizado
abestiado
escarro minha rima
esverdeada e podre
cuspo a perversão, o ciúme,
a inveja humana
não amo, não protejo
apenas cortejo
o que quero fúnebre
e inebriado
encorajo-me
sou verso no gargarejo
e poesia de lampejo.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

ham ã'bae

agruras não me assustam
sei bem como me adaptar
apetecem-me as pedras
frestas sombrias

ham ã'bae, ham ã'bae

é inútil me chamar

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

rei menino

seus olhos são bagos inertes
que encolhidos buscam o fundo
esbugalham-se para germinar
rasgam as retinas e brotam
fazem-se raiz e caule
flores e frutos

seus olhos são sementes tristes
que mal se aquecem sob a terra
esse corpo franzino e fala fraca
causam-me comoção e quase reclamam
o trono que já era seu
antes mesmo que nascesse.

domingo, 14 de novembro de 2010

éter/ mater/ fêmea

quando redescobrirem meu valor fêmeo
quando voltarem-se para o sentido mater
hei de entenderem a postura do mundo
como quem desnuda o natural, o signo Magno
da VIDA

sou mulher-terra que nasceu para doar-se
sua colheita vem de meus rasgos
de meu calor silencioso
inteira e plena doou-me
até esgotar-me

eis meu sentido de renovação
da terra à terra e amanheço a cada dia
como a esperança de quem sabe de onde tirar

enquanto quiser meu peito
mesmo que cansada e faminta
ainda darei de mamar

enquanto quiser meu corpo
mesmo que cansada e desesperada
ainda hei de amar.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

meus pés

esses de laranja
enoitados
quase tangerina

és mexerica enredeira
aberta em gomos
por minhas mãos!

flor irreversível

o que me tomba são esses olhos
essa passagem turva
que a miopia
teima em ofuscar

nem chegue muito perto, moço
que cá em minha matuteza
só sei do seco e da aspereza
da lamúria de fundo de poço


quem dera assim
cansada da labuta
esperasse livre, que não a luta
e nem causasse tanto desgosto


sou eu mesma,
essa flor irreversível
esse ser indivisível que teima
em preservar-se ileso

quem dera fosse solta de nós
e desprendida de egoísmos
seria calmo meu lirismo
e essa gota de devoção

pare estrangeiro
não te dei o direito
de invadir meu peito
e devassar minha canção

mas que venha sóbrio
de dom e de coração
e que nesse verso
pratique a imensidão.

natureza morta

rubras reluzem sobre o móvel turvo
maçãs numa cesta ovalada copulam
livres e notívagas, quem há de punir?

impuras não atingiram chão ou céu
perdem-se no pecado de serem suas
maduras e nuas sob moldura de papel.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

aurora

parece-me o raiar dos deuses
estadia entre o negro
e o glorioso amanhecer

tens o riso adorável
fúria inominável
e coração em desapego

tudo é humilde diante
desses olhos floridos
e dessa boca penitente

tudo me é suportável
se tua voz e língua
se fendam em meus lábios.

derradeiro

finda com o beijo
na testa ou lá
à beira impotente
o desejo que guardava sem mim
morde a fronha e sonha
que decadente!

consuma urgente
meu cheiro de jasmim
e seja encontro
de delicadezas do desamar
que de tanto amar-te,
tonto amar-te,
mar morto, náufrago

e saiba que enjoada, cá
navegarei, navegarei
meio descontente
com o que sobrou
de nós dois

sobre as flores

das papoulas oníricas
líricas como transe
empapuço-me
e torpe, talvez imbecilizado
abestiado
escarro minha rima
esverdeada e podre
cuspo a perversão, o ciúme,
a inveja humana
não amo, não protejo
apenas cortejo
o que quero fúnebre
e inebriado
encorajo-me
sou verso no gargarejo
e poesia de lampejo.

apetece-me o alento

em meu ombro amigo
mas jaz-mim
flores e figo
num sonho furtivo
de um amanhã que não virá

sonhei com duetos
tercetos
e valsas em lá menor
mas se voas
meu signo voa contigo
e o teu tatuado em mim.

Overdose do caos, do caótico

Que depreda meu nervo óptico
Que tomba minha visão
Desdenha-me a metrópole
Caída no planalto
O centro e seu cedro malvado
Que perpetra o vício
E a falta de afeto
Não tenho teto, nem país
Brasília zero grau,
Menos um grau
A frieza quebra
Nos desertos sentimentais
Na secura do ar
Que me resseca o ventre
Brasília em suas distâncias
Mistura todas as substâncias
Overdose das ânsias
E ignorâncias.

ensinou-me os paraísos

em todos os sentidos
aguçou minhas sensibilidades
debulhou imprecisas possibilidades
foi-se sem aviso
dilacerar novos seres...

e no negro da noite
esperei por ti
reinventei-te
em tragos descomunais
porções de haxixe
campos de papoulas...

e no negro da noite
entreguei-me a outros braços
a outros vícios
quis-me paraíso narciso
com cipós brotando nas narinas
seus olhos habitando minha vagina...

e no negro de meu ser
seu sexo ereto em minha boca
o martírio de vitórias-regias
em meus olhos
acordo sozinha
vazia de nós.

amor de trepadeira

perdi a conta de quantas vezes
me entreguei inteira por amor
e acabei com aquele sorriso
amarelo que desbota folhas
mortas e imprestáveis
para fotossíntese

embotado sonho do bem querer
desarma e ilude verde-flora
desabrocha no perfume doce
trepa como quem ama e rouba
jogando sementes daninhas
ao chão estéril do engano

como me sufoca a dádiva
o mais sarcástico castigo
é ter outro ser apossado
em minhas largas copas
esqueço-me caule e raiz
e jaz apenas sombra no mato

esquece-me

que já o fiz
estou de fora

nas alamedas
no vento baldio
ouço quem implora

nas paineiras
que dançam felizes
vejo a deflora

enquanto voa
redemoinho com elas
a tramela chora

e se vou infinita
sou pedra aflita
no reino da hora

não me peça
toma-me cálice
por inteiro e devora

soul-te
todo tempo
na demora.

paineiras

resisti o quanto pude
à constância seca
ao vento do deserto
desisti do ser rude

a grama quase verde
o olhar deitado ponte
não leva a outro lugar
nem é o bastante

o inverno de Brasília
traz chuva de flores
olhares paranoados
e vísceras aluadas

meio-dia, Planalto Central
e alguém me assiste
é sol na catedral
e eu já desisti do riste

florada dos ipês

enfim é setembro
a secura permanece
mas seus dedos permeiam
a revoada de cores
em minhas pétalas

sua língua choveu três dias
entre minhas pernas
e nem é primavera
seu palato ainda
traz o perfume de flor
para dentro de minha derme.

meu avô e o umbuzeiro

a árvore pendia-se
em sons farfalhos
e inspirava sonhos
ele se misturava
às suas sombras
e galhos mortos

sob a fronde
do umbuzeiro
ele dormia
enquanto folhas
caíam aos pés
face
ventre

não seria nada
se não fosse tudo

a escuridão revelava
duas faces anciãs
a realidade imprimia
um só elemento.

reparto

excisão do fruto
o desejar do parto
a semente do poeta

sêmen na mente
brota quase maduro
no reparto do caos

germina in vitro
traz a carga imunda
daquilo que se nega

e imune à esperança
desdenha avoengas
de olhos assombrados

tal erva daninha alastra-se
toma vales esquecidos
com a fúria do querer empírico.

Está suspenso entre o bem e o mal

Flutuas lúgubre,
Entre o julgável e o tangível
Suas têmporas sábias,
De tão sábias chegam a ser belas
E seus olhos azuis apenas contemplam
O inimaginável.
Não é alguém que brota
Nos sóis matinais,
Nem nas luas soturnas,
É Saturno, Urano, quem sabe...
É além do que sei,
Do que compreendo.
Está além dos jardins,
Das florestas,
Das grotas,
Dos coqueirais,
Dos cerrados,
Dos manguezais.
É a própria paz,
Traz em si uma nobreza tocante
Que faz ferver as idéias,
Mas palavras, adjetivos parcos,
Superlativos tendenciosos,
Não contemplarão seu ser abastado do mundo
E sendo assim parece-me inútil
Dizer-te o que é indizível,
Inalcançável.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Embala-me em teu berço absurdo

De concreto e fumaça
Tuas samambaias nas encostas
Lembra-me a mata
Tua música singular
Teu canto caótico
Faz-me ninar
Entre carros, televisões, visões,
E máquinas.
Sou teu filho bastardo
Não desejado
Em um canto largado
Metrópole, eu chamo-te mãe,
Mas é esfinge
E não te decifro,
Devora-me.

Hera

de lábio em lábio
minha amada Agatha
está morando,
na longínqua lenda
dos ardis

ela me escapa entre as pernas
volta para cá em pensamento
ela a julgar-me alguma deusa
eu a julgá-la incerta musa

eu canto a chamar-lhe pura elegia
e como Lídia resplandece em culto
ao sol se pôr já é Sara

e quando lua brilha nos olhos
de Marias de dedos de moças
como Rosas rubras escandidas
em meio às estrelas que rodeiam

e então derrama a sua luz feito
tantas outras Amélias, Anas,
Camélias suaves em Aurora-Flor.